quinta-feira, setembro 08, 2005

Portugal x Brasil

José manuel Barroso in Público (08/09/2005)

De que país é você?", pergunta-me o empregado de um restaurante em Brasília. "De Portugal, não dá para ver? Que língua acha você que eu falo?", respondo. "Ah, você é de Portugal? Que engraçado, você fala bem português, consigo entendê-lo bem." "Que tem o meu português, é ruim?", pergunto eu então. "Não é que seja ruim, a questão é que eu o entendo, o que nem sempre é fácil com os portugueses." O que nem sempre é fácil - e é verdade.

Para o brasileiro comum, o português de Portugal é difícil de compreender. Porque o sotaque é diferente, porque muitas palavras têm sentidos diversos, porque nós "comemos" as vogais, porque há palavras do português antigo que os brasileiros conservam e nós já as esquecemos na linguagem corrente, porque, como melting pot, o Brasil adopta rapidamente, aportuguesando-as, palavras de outras línguas. É verdade, a língua une e desune o português e o brasileiro.

Apesar disto tudo, penetrar no Brasil, para o cinema, os media, a literatura portuguesa, é difícil. Um filme português, exibido no Brasil, terá de ser legendado, para ser entendido correctamente. Noticiário originário dos media portugueses terá de ser adaptado para o português do Brasil. Esta simples barreira acaba por ser uma parcela mais no ainda grande desconhecimento que os dois países têm um do outro. Porque a realidade é essa Brasil e Portugal, apesar dos investimentos e do turismo, são dois familiares que se desconhecem. E que apenas se irão conhecendo melhor, a nível da opinião pública, à medida que imigrantes brasileiros em Portugal e turistas portugueses no Brasil forem dando conta da realidade nova que observam em cada país.

A imagem que o brasileiro comum tem do português é ainda a "do Manuel e do Joaquim", símbolos do português emigrante da primeira metade do século XX, rural e pobre, o qual, como hoje o emigrante brasileiro em Portugal, se batia por uma vida melhor que não cabia nos horizontes do seu país de origem. Grande número de brasileiros nada sabe do Portugal de hoje e fica espantado quando se depara com um país moderno. Do mesmo modo que o português comum, que apenas conhece imigrantes brasileiros em Portugal originários do interior ou das zonas mais pobres do Brasil (em muitos casos pouco preparados escolar e profissionalmente), tende a identificá-los com o país-irmão.

E no lado brasileiro há ainda complexos de colonizado. É espantoso ler ou ouvir, no Brasil, algumas explicações para alguns males da vida brasileira. Apesar de independente há cerca de dois séculos, muitos brasileiros ainda identificam os erros e hábitos das suas lideranças ou de determinadas situações com "os portugueses". Há numa parte da intelectualidade e dos jornalistas brasileiros algum sentimento antiportuguês. Uma personalidade tão respeitada como o ex-arcebispo de São Paulo D. Paulo Arns, ao analisar, em entrevista recente, a actual crise brasileira culpava ainda os portugueses pelo escândalo da corrupção. Seria uma herança do colonizador - que em quase 200 anos não terá sido possível extirpar. Que fizeram os brasileiros nesse espaço de tempo? Nada. Mas a responsabilidade vem da História, segundo o douto arcebispo.

Do lado português há também complexos de superioridade de origem histórica. Muitos portugueses não entendem muito bem como o português do Brasil "pode ser assim", às vezes tão longe do português "verdadeiro", o de Portugal. Esquecendo-se de que, no "mundo que o português criou", o Brasil é um dos exemplos mais frisantes da mistura de raças e de culturas - e que esse cadinho de fusão tem consequências na língua e na linguagem. Como país receptor de emigração, o Brasil tem uma mobilidade social e cultural fantásticas. O brasileiro adopta o novo com enorme facilidade, desde que isso seja uma ferramenta para o quotidiano do trabalho ou do conhecimento (até nós adoptamos formas de dizer diferentes, a partir do que nos habituámos a ouvir nas telenovelas da Globo).

País jovem, aberto e continental, nele não há o enorme peso da tradição como nos europeus. Mas é nesse português do Brasil, em grande parte, que reside o futuro da língua portuguesa no mundo. Neste campo, como em muitos outros, muito há a fazer, se, de cada lado do Atlântico, os afectos pragmáticos se sobrepuserem aos simples afectos históricos.

4 Comments:

At 09 setembro, 2005 19:09, Blogger ∫nês said...

Muito bem observado.
E digo mais, eles não nos entendem não é por causa do nosso sotaque. Afinal, quem tem o sotaque são eles. A língua já era nossa.

 
At 09 setembro, 2005 23:41, Anonymous Anónimo said...

Nao creio que seja somente uma questao de sotaque. O Brasil eh continental e foram os portugueses que trouxeram a lingua que hoje eh falada pela maioria. Porem, este pais eh tao grande e acolhe a todas as racas e credos. E em cada canto que se visite dessa terra brasileira, pode-se encontrar maneiras diferentes de falar, nao erradas. Desde o indio que ainda vive isolado do mundo ate a versao mundialmente conhecida do brasileiro, o carioca. Entao, talvez por ter nascido aqui nao enxergo a lingua como propriedade do pais colonizador e sim como um vinculo com a Terra Natal e digo, utilizando uma expressao aqui muito utilizada, Gracas a Deus que a linguagem evolui, pois isto significa que o ser humano tbem esta a evoluir.

 
At 10 setembro, 2005 19:58, Blogger ∫nês said...

Concordo e acho até que a língua no Brasil já evoluiu tanto que deveria ser considerada uma língua distinta: o Brasileiro e não o Português do Brasil.
No entanto, dada a origem (Portuguesa) não deixa de me fazer espécie dizer que nós (Portugueses) é que temos sotaque.

 
At 12 outubro, 2005 00:43, Anonymous Anónimo said...

Quem conhece as dicotomias linguisticas inglesa/norte-americana ou frances/quebecoise ou ainda castelhana/espanhol (nome do castelhano falado na américa latina) só pode achar piada a estes comentários...

S e até em Portugal já existe uma segunda língua oficial, qual é então o problema em aceitar q o português de portugal é o memso português do brasil???

Um abraço

Um aviso: os homens deverão evitar dizer no brasil que vestem camisola, algo bastante comum em portugal... :)

 

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